11º Domingo de Mateus
A economia da misericórdia — o perdão como fundamento da existência cristã
Ocentro
teológico do Evangelho deste domingo está na lógica do Reino que Jesus revela
por meio da parábola: o perdão que recebemos de Deus deve ser a medida do
perdão que oferecemos aos outros.
A
dívida de “dez mil talentos” representa a dimensão incomensurável do pecado
humano diante da santidade divina. É dívida impagável, símbolo de nossa radical
dependência da misericórdia. Já a pequena dívida do companheiro (cem denários)
revela a desproporção entre as faltas que nos ferem e a magnitude da nossa
ofensa a Deus.
O
escândalo da parábola não está na dívida, mas na incoerência do servo: ele foi
perdoado, mas não se tornou canal de perdão. Esta incoerência é blasfema,
porque contradiz o que foi celebrado: quem foi visitado pela graça, mas fecha o
coração ao irmão, nega a graça recebida.
“A
compaixão é a veste de Deus; quem se despoja dela, renuncia à semelhança divina.” —
Santo Isaac, o Sírio
O perdão recebido de Deus exige ser repartido, pois o Reino é comunhão. O Pai nosso não é apenas uma oração: é uma ética.
“Perdoai as nossas
dívidas, assim como nós perdoamos…” (Mt 6,12)
Aqui reside o princípio
da “economia da misericórdia”: não se trata de justiça contábil, mas de
restauração da comunhão.
“Não é por medo do castigo que devemos perdoar, mas por amor à misericórdia com que fomos salvos.” — São Máximo, o Confessor
A renúncia apostólica — São Paulo e o paradoxo do direito sacrificado
Na epístola, São Paulo se apresenta como apóstolo autêntico, com todos os direitos assegurados por sua missão (cf. 1Cor 9,4–6), mas que, por amor ao Evangelho, renuncia voluntariamente a tais direitos. Ele prega gratuitamente para não colocar “obstáculo ao Evangelho de Cristo” (v.12).
Este
testemunho se conecta profundamente com o Evangelho: Paulo encarna a
misericórdia pastoral. Ele suporta tudo por amor aos outros, age com liberdade
interior, não como alguém que exige, mas como quem se oferece.
“Ele
não quer ser um peso à comunidade, mas tornar-se alimento espiritual para ela.
A sua vida é oferta, não cobrança.”
Paulo vive aquilo que o servo da parábola não entendeu: o dom recebido não se guarda — distribui-se.
“Tornar-se pai
espiritual é doar-se a si mesmo em sacrifício. O apóstolo que vive da renúncia
é ícone do Cristo que, sendo rico, se fez pobre por nós.” — São João
Crisóstomo
A
kenosis apostólica é o oposto do egoísmo do servo impiedoso. Ela é liturgia da
vida, prolongamento do sacrifício eucarístico no cotidiano. O apóstolo é livre,
mas se faz servo. É digno de sustento, mas escolhe a cruz.
Igreja,
comunidade da reconciliação — liturgia, perdão e comunhão
A
Igreja, nascida do lado aberto de Cristo (cf. Jo 19,34), é sinal da reconciliação
universal. E sua vida litúrgica não pode ser separada da prática do perdão
mútuo. O Evangelho nos mostra que quem não perdoa, rompe a comunhão — é lançado
às trevas exteriores, não porque Deus seja vingativo, mas porque a recusa do
perdão rompe o laço com a graça.
“Aquele que guarda
ressentimento enquanto reza, semeia no mar e espera colher frutos.” —
Santo Isaac, o Sírio
A
oração do Pai-Nosso é repetida na Liturgia com solenidade: antes da comunhão. É
exigência sacramental. Não se pode comungar do Corpo de Cristo sem estar
disposto à reconciliação com o corpo dos irmãos.
“A Eucaristia exige
corações reconciliados. Ela é presença real de Cristo, mas também teste real de
nossa coerência com Ele.” — São Cirilo de Jerusalém
A
Liturgia, assim, reforma a alma, reeduca o coração, cura a dureza interior e
nos ensina a perdoar. Quem participa da Liturgia e se alimenta do perdão de
Deus, mas guarda rancor, é como o servo da parábola que foi perdoado, mas não
perdoou.
O
perdão é ato pascal. Participar da vida da Igreja é viver a Páscoa de Cristo em
nós: morrer para o orgulho, ressuscitar para a caridade.
A
misericórdia como medida da salvação
O
servo impiedoso é advertência e espelho. A misericórdia é o critério do juízo.
“Aquele que guarda
compaixão e não juízo, terá misericórdia no Dia do Senhor. Aquele que se fecha
ao irmão, está se fechando ao céu.” — São Gregório Palamas
A
Igreja não é tribunal de culpa, mas escola da compaixão. O apóstolo que
renuncia por amor e o fiel que perdoa sem medida são ícones vivos do Cristo,
que entregou tudo para reconciliar-nos com o Pai.
Que
a Liturgia nos converta em ministros da misericórdia. E que a nossa comunidade
seja reconhecida por esta marca essencial:
“Vede
como eles se amam — e como se perdoam.”
Amém.
Referências
Bibliográficas:
BÍBLIA DE JERUSALÉM.
Nona edição revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2013.
Santo Isaac, o Sírio,
Homilia LXI: sobre o servo impiedoso; Homilia XXIII sobre a 1Cor 9
São Máximo, o
Confessor, Centúrias sobre a Caridade, II, 36–50, Sobre a compaixão como
expressão da união com Deus
Santo Irineu de
Lião, Contra as Heresias, IV, 20, 6, Sobre o conhecimento de Deus pela misericórdia,
Adversus Haereses, em: Sources Chrétiennes ou Biblioteca Patrística
São Cipriano de
Cartago, Sobre a Oração do Senhor, 23–24, Comentário sobre o “Perdoai-nos como
perdoamos”
São Cirilo de
Jerusalém, Discursos Ascéticos (ou Espirituais), século VII: Discurso 51 (sobre
o perdão e a compaixão); Discurso 66 (sobre a compaixão maior que a justiça)
Vida dos Santos
Data de celebração: 24/08/2025
Tipo de festa: Fixa
Santo (a) do dia: Santo Eutiques, hieromártir discípulo de São João, o Teólogo (séc. I)
Biografia:
Hino do dia
Extraído do site: Ορθόδοξος Συναξαριστής (Livro Ortodoxo dos Santos)
Celebrações do dia
1. Agios Eftychis Hieromartyr, aluno de Agios Ioannis Theologos
2. São Cosme da Etólia
3. Recuperação de Sagradas Relíquias de São Dionísio de Zaquintos
4. Saint Tation
5. São Jorge de Limniot, o Confessor
6. São Arsenios, o fazedor de milagres
7. Recuperação das Sagradas Relíquias de São Pedro, Metropolita de Moscou
Leituras do dia
Matinas - Mateus 21, 14-25
Epístola - I Coríntios 9, 2-12
Evangelho - Mateus 18, 23-35
Jejum
Livre
Permitido todos os alimentos.
Extraído do site: Ορθόδοξος Συναξαριστής (Livro Ortodoxo dos Santos)
Permitido todos os alimentos.
Extraído do site: Ορθόδοξος Συναξαριστής (Livro Ortodoxo dos Santos)
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